entre notificações e abas
Outro dia tentei escrever uma frase à mão.
Uma só.
Sentei na minha mesa, fechei o computador, virei o celular de barriga pra baixo. Peguei a caneta com um gesto quase cerimonial, como quem acende uma vela.
Mas antes da tinta tocar o papel, o impulso: "deixa eu ver uma coisa aqui rapidinho..."
Quinze minutos depois eu estava vendo um vídeo de um cara que restaura objetos antigos enferrujados.
É isso que virou nossa atenção.
Um bicho inquieto, pulando de galho em galho, com medo de pousar. Medo do silêncio, do tédio, da frase.
A gente normalizou (e banalizou) a distração como se fosse o novo estado natural da mente. Mas não é natural.
É sintoma.
Hoje, a gente vive em um estado de "atenção parcial contínua", como definiu Linda Stone. Sempre ligados, sempre alerta, mas raramente... presentes.
É como se a nossa mente tivesse virado um radar: escaneia tudo, mas não aprofunda em nada.
A concentração virou um músculo atrofiado. E o pior: ninguém sente falta. Só sentimos cansaço.
Um cansaço denso, a ponto de um gole de água gelada ou uma brisa leve no rosto parecer um lembrete involuntário de que ainda estamos vivos.
Como se o corpo dissesse: "ei... você ainda está aqui."
Mas até quando?
mais burros?
Tentamos fazer mais, mas não terminamos nada. Vivemos num rascunho eterno.
E o tempo... não espera pela versão final.
Nos anos 2000, um estudo da Universidade de Londres mostrou que interrupções frequentes derrubam o nosso QI em 10 pontos.
Sim.
Responder emails no meio de tudo literalmente deixa a gente mais burro.
Mas ainda assim, abrimos a caixa de entrada como quem abre um altar. Rezamos pro algoritmo. Oferecemos nossa manhã em sacrifício.
É fácil culparmos o celular (alerta de hipocrisia própria). Mas a verdade é mais dura.
Fomos nós mesmos que treinamos o nosso cérebro pra perder o foco.
boa notícia
Isso também pode ser desaprendido. Concentração não é botão. É ritual.
Ninguém cai em sono profundo logo que deita. Com foco, é igualzinho.
A gente precisa desacelerar, criar transição, limpar o terreno mental. Começar pequeno.
5min de silêncio. Escrever uma frase sem interrupção. Ler uma página inteira em papel. Olhar pela janela sem pegar o celular.
Experimenta contar de 7 em 7 até mil, só pra lembrar que sua mente ainda é sua.
A concentração não está perdida. Só está soterrada sob oitenta notificações, 47 emails não lidos, ansiedade e luz azul.
Mas cuidado: tudo que é enterrado por tempo demais, começa a se decompor.
E com ela, apodrece também o que a gente queria criar.
o futuro é offline
É... Talvez.
Talvez seja mais lento. Mais analógico.
Talvez a maior ousadia hoje seja fazer uma coisa só, com presença plena, até o fim. Fazer parecer quase um ato de rebeldia.
Por isso, te deixo um convite. Sem desafio, sem meta, sem nova ferramenta.
Só um convite.
Hoje, escreva uma frase à mão. Com calma. Com atenção à sua caligrafia. A cada letra. A cada curva. Com o punho chorando, se for preciso.
Depois, dobre o papel e guarde como se fosse um pergaminho sagrado.
Porque talvez seja.
Até semana que vem.
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