mentira, scroll e silêncio
Ontem à noite eu abri o celular só pra ver a hora.
Duas horas depois, eu ainda tava lá.
Rodeando stories de gente que não conheço, comendo notícias requentadas, e me sentindo… inquieto. Você já passou por isso, né?
De abrir a tela por reflexo e só fechar quando o corpo reclama?
Tem dias que a gente não scrolla. A gente afunda.
E o mais curioso é que o conteúdo que nos prende não é o que responde. É o que confunde.
Notícias truncadas. Opiniões disfarçadas de fatos. Memes como método de manipulação.
O vício não está na tela. Tá no ruído.
faz parte de um plano
No barulho constante que nos mantém meio alertas, meio exaustos, meio perdidos.
E esse “meio” é parte do plano. Porque dúvida, hoje, é produto.
Se o conteúdo te deixa certo, você fecha a aba.
Mas se ele te deixa com uma pulga atrás da orelha, você compartilha. Você comenta. Você volta.
O mercado percebeu. E a desinformação virou core business.
Tem briefing. Tem verba. Tem segmentação de público.
Mentira com planejamento de mídia.
E aí, pra proteger o lucro, vem o truque:
embaralha-se liberdade de expressão com liberdade de mercado. Liberdade de mercado com liberdade política.
Como se regulamentar mentira paga fosse censurar poesia.
a gente se acostuma
Mas…a gente não vende remédio sem bula.
Não se pode abrir uma fábrica de fumaça tóxica no meio do bairro.
Na internet? A fumaça é conteúdo.
E tem gente ganhando com isso. Chamando de “liberdade”.
E sabe o que acontece quando esse modelo funciona? Os outros copiam.
Não porque acreditam. Mas porque dá resultado.
O blefe vira regra. A exceção vira método. A verdade vira só mais uma opinião.
E a gente? Se acostuma.
Com o feed que nunca acaba.
Com a dúvida como estado natural.
Com a sensação de que estamos sempre atrasados, mas nunca chegando.
e quando a dúvida vira hábito
a lucidez parece arrogância.
a calma, alienação.
o silêncio, culpa.
Fechei o laptop no meio da tarde. Sem notificação. Sem motivo.
Só… chega. Deitei no chão da sala com a Twiggy.
Ela encostou a cabeça no meu peito e suspirou, roncou, pra ser mais preciso.
Um som sem algoritmo. Sem filtro. Sem intenção de viralizar.
Fiquei ali, olhando pro teto, com a cabeça ainda zumbindo dos ruídos que chamei de “informação”.
A luz já tinha baixado. Mas havia uma espécie de silêncio cheio no ar.
Como se o mundo não precisasse da minha opinião por um instante.
E ali, entre o focinho dela e o teto da sala, pela primeira vez no dia, nada me puxava.
Nem feed. Nem dúvida. Nem urgência.
Só o contorno das coisas. E às vezes…isso já é bastante.
Esse e-mail termina aqui.
O resto, é seu.