tem até ministério
Em outubro do ano passado, fui ao Japão.
As folhas ardiam em tons de cobre e ferrugem. E eu também, de certo modo.
Fui pra fugir um pouco. Da rotina. Da internet. De mim mesmo, talvez.
Mas o que encontrei lá não foi fuga. Foi espelho.
já notou que alguém "sumiu"?
No Japão, a solidão tem ministério e não é metáfora: tem um cargo oficial mesmo.
Como se o país dissesse alto e em bom som:
"Nós reconhecemos essa dor."
Desde 2021, eles passaram leis, financiaram iniciativas, treinaram vizinhos como “embaixadores de conexão”.
Criaram campanhas, datas, planos nacionais. Tornaram o invisível…uma pauta pública.
Eu ouvi falar dos tsunagari supporters, que batem de porta em porta em alguns bairros.
Gente comum, treinada para notar quando um idoso sumiu da praça. Ou quando uma adolescente não desce mais pra jantar.
Foi lá também que aprendi palavras que parecem poemas tristes:
- Kodokushi: a morte solitária. Quando alguém morre e o corpo só é encontrado meses depois.
- Hikikomori: o jovem que se isola por anos, sem escola, sem trabalho, sem janela aberta.
- Ibasho: um lugar onde você sente que pertence.
essa última me perseguiu.
Lembro de caminhar por Kyoto numa manhã de sol e céu limpo.
As casas de madeira com suas janelas cobertas por ripas… como grades suaves. O silêncio entre as pessoas no metrô, no café, nas calçadas.
Tudo parecia dizer: respeitamos sua solidão.
Mas eu me perguntava:
"E se ela não quiser ser respeitada? E se ela quiser companhia?"
Tinha um restaurante perto do meu hotel com balcões estreitos e divisórias de madeira entre os lugares.
Ali, cada pessoa comia sozinha, em silêncio. Era bonito, de certa forma.
Poético, quase meditativo. Mas também me deu um aperto no peito.
A sensação de que talvez estejamos todos aprendendo a conviver melhor com telas do que com vizinhos.
Com fones de ouvido do que com barulhos humanos.
No mesmo mês em que estive lá, uma pesquisa mostrou que 1 em cada 5 japoneses se sente frequentemente solitário.
Especialmente os jovens, nos 20 e 30 e poucos anos.
A mesma faixa etária em que a gente deveria estar construindo redes, não trincheiras.
amigos, não algoritmos.
Quando fui para a próxima cidade, Osaka, comecei a reparar mais.
Nos meus próprios hábitos.
Nos cafés onde só pego para viagem.
Nas mensagens que deixo sem responder.
Nos convites que penso em fazer, mas não faço.
Talvez a solidão não seja só ausência de companhia. Talvez seja ausência de convite.
De espaço para pertencer: um ibasho.
pequenos gestos
E se a gente tratasse a solidão como um sintoma coletivo? Não como uma falha pessoal. Não como um problema de autoestima, mas de ecossistema.
O Japão me ensinou que dá pra fazer isso com políticas públicas. Mas também com pequenos gestos.
Com moais, aqueles grupos de apoio vitalício entre vizinhos, que eles criam desde a infância.
E se a gente inventasse nossos próprios moais? Nossos próprios ibashos? Nossos próprios ministérios caseiros de saúde social?
Tenho pensado que esse e-mail pode ser isso, às vezes. Ou as cartas que escrevo todo mês.
Um lugar onde você sinta que pode entrar. Sem tirar os sapatos, mas talvez deixando o celular na entrada.
Essa newsletter termina aqui. O resto, é seu.
Se quiser responder, me conta:
Qual seria seu ibasho ideal? Como ele cheira? Que tipo de cadeira tem? Quem está lá?