post ou conteúdo?
Semana passada encontrei um caderno velho dentro de uma caixa de eletrônicos que eu estava prestes a jogar fora.
Era um daqueles moleskines com capa preta e canto amassado, o elástico já frouxo.
Lá dentro, anotações de uma época em que eu ainda escrevia no escuro, sem público, sem pauta, sem clareza.
Um brainstorm de vídeo que nunca gravei. Nomes de projetos que eu não terminei. Uma carta pra mim mesmo, assinada com raiva e esperança.
Fiquei uns minutos folheando aquilo em silêncio. Teve uma página que me fez rir.
Outra que me deu vergonha.
Mas o que mais me pegou foi uma frase solta no meio de uma lista de ideias, quase um rabisco:
“isso aqui talvez nem precise virar nada.”
Fechei o caderno.
Na hora, senti vontade de postar. Fazer uma newsletter, mostrar o achado, compartilhar a frase.
Mas fiquei parado com o celular na mão.
Porque por um instante… aquilo era só meu. E havia uma paz real nesse pertencimento silencioso.
Essa paz, no entanto, é frágil.
A gente vive numa época em que tudo o que nos toca parece precisar de um selo externo.
Não basta sentir.
É preciso publicar, interpretar, rotular, embalar, digerir junto com os outros, de preferência com um bom call to action no final.
"arrasta pra cima para saber mais."
Mas tem uma coisa que quase ninguém fala: A busca por validação corrompe a experiência.
o que estão falando sobre isso?
No começo, é só curiosidade. Você assiste um filme que te emociona. Se encanta por um ator que nunca viu antes.
A cena final te desmonta.
E aí, sem perceber, você abre o Google, o TikTok, o Instagram.
Quer ver o que as pessoas acharam.
Quer confirmar se sentiu “certo”.
Talvez só esteja procurando conexão.
Mas o que encontra é dissecação. Críticas. Fóruns. Notas médias.
Gente dizendo que o ator é fraco, que a direção é rasa, que a emoção foi manipulada.
E quando vê, o que era seu já não é mais.
regras invisíveis
Isso acontece o tempo todo. Você ama algo e imediatamente procura autorização pra continuar amando.
A internet amplificou isso de forma cruel.
Antes, pra achar alguém que te fizesse duvidar do que você sentiu, era preciso esforço.
Agora, está tudo a um clique de distância. E o mais triste?
Nem precisa ser uma crítica feroz. Basta um comentário casual, um detalhe irrelevante, uma falha técnica apontada com soberba.
Algo que você não tinha notado e agora não consegue mais desver.
A pureza da experiência foi contaminada. Irreversivelmente.
Eu senti isso no design.
e no youtube também
No começo, tudo era fascínio.
Fazia videos toscos no iMovie, testava temas diferentes, sem saber falar na câmera, explorava sem pedir permissão.
Mas aí veio a comunidade. Veio o algoritmo. Vieram as regras invisíveis.
De repente, eu estava mais preocupado em parecer um criador de conteúdo do que em me sentir como um.
Fiquei bom em jogar o jogo. Mas fui perdendo o gosto de jogar.
O mesmo aconteceu com a cerâmica.
Comecei porque gostava da sensação: processo lento, devagar, fone no ouvido, corpo acordado.
Mas bastou entrar nos grupos certos e tudo virou técnica, performance, comparação.
e a leveza evaporou
Eu não sou contra críticas. Nem contra comunidades. Nem contra aprender mais sobre o que a gente ama.
Mas tem algo que merece ser protegido: o intervalo entre o impacto e a opinião.
Entre sentir e compartilhar. Entre descobrir e validar. Esse intervalo é um lugar sagrado.
É lá que mora a autonomia.
É lá que mora o encantamento.
É lá que você volta a ser alguém que sente antes de performar.
Às vezes, o ato mais radical não é mostrar. É guardar.
Guardar porque algo ainda está se formando.
Guardar porque não precisa virar conteúdo.
Guardar porque não precisa virar nada.
Se algo te tocou de verdade, talvez valha a pena manter em segredo por um tempo.
Ou pra sempre.
Só você sabe o que aquela coisa te disse antes do mundo falar por cima.
E talvez, só talvez, o que você mais esteja procurando nas opiniões alheias seja a permissão de sentir o que já sentiu.
Mas sentir não precisa de permissão.
Esse e-mail termina aqui.
O resto, é seu..