é o seu roteiro
Sim. Seu roteiro, e te explico porque.
Outro dia eu fechei o laptop no meio da tarde e fiquei parado olhando pra parede da cozinha.
Um copo sujo na pia.
O cheiro do café da manhã ainda ali.
E uma pergunta ecoando como uma notificação invisível:
"Era isso o que eu sonhei pra mim?"
Tinha um peso estranho naquela pausa.
Não era cansaço. Era desilusão com o que antes parecia ser um sonho.
quando temos 20 e poucos...
... a gente entra no mercado de trabalho com a cabeça cheia de imagens de bastidores perfeitos.
Projetos lindos. Reconhecimento. Propósito.
Tudo embalado numa estética cinematográfica do "fazer o que ama".
Mas aí a vida acontece. E junto dela, briefings desanimados, feedbacks atravessados, e aquela sensação incômoda de que tudo que você cria vai parar numa pasta "pra depois".
aos 30 e poucos, muda
Essa fricção vira crise.
Não a crise de "o que eu quero fazer da vida?", mas a de "como eu continuo fazendo isso sem perder a vontade de continuar?"
Esses dias, li um texto antigo do Tobias van Schneider que colocou as coisas no lugar.
Ele falava sobre como a geração de jovens criativos foi educada num idealismo bonito, porém traiçoeiro.
O de que o trabalho dos sonhos é constante, puro e sem fricção. E que se não for assim, a culpa é do emprego.
ou pior, sua.
curadoria da felicidade produtiva
Mas talvez o problema esteja na lente da internet.
A lente que só mostra a campanha premiada, nunca o pitch perdido.
O escritório cheio de plantas, não os domingos de frustração.
A legenda inspiradora, não a reunião arrastada das 17h.
Esse vício visual que a internet criou, essa curadoria da felicidade produtiva, alimenta uma comparação cruel.
e silenciosa.
Não com outros profissionais, mas com uma versão idealizada de você mesmo.
A versão que deveria estar feliz com o que tem.
Que deveria estar fazendo algo maior. Que deveria ter dado certo.
Essa é a parte mais perigosa do vício digital:
"não é só distração, é desorientação."
trabalho é trabalho
Tobias fala de algo que me pegou:
"Nosso trabalho pode sim ser um sonho, mas ainda é um trabalho."
E aí está o ponto.
Romantizar demais a profissão, qualquer que seja, é uma armadilha.
E esperar que toda tarefa seja excitante é uma receita para frustração.
O que o muda o jogo não é achar o projeto perfeito.
É ter clareza o suficiente pra ver oportunidade no banal.
É pegar aquele projeto sem graça e transformá-lo numa pequena obra de reinvenção.
É buscar sentido apesar das circunstâncias, e não porque elas são perfeitas.
Porque se a gente não aprende a extrair prazer das entrelinhas, nem o freelinha dos sonhos salva.
Nem a vida de criador de conteúdo salva.
crise de identidade vs algoritmo
Às vezes, a crise de identidade que bate aos 30 e poucos não é crise de propósito.
É só o algoritmo bagunçando sua bússola interna.
Sim. O Instagram não é só distração.
É o roteiro que te faz duvidar do seu. É desorientação.
É expectativa fantasiada de inspiração.
É o feed que te convence de que você está atrasado.
Então talvez o seu trabalho não tenha deixado de ser bonito, ele só foi mal iluminado pelo feed.
Se for o seu caso,
fecha a aba
fecha o instagram
faz alguma coisa com as suas mãos.
Refaz aquele projeto antigo que ninguém viu.
Ensaia uma ideia ridícula só pra ver no que dá.
Liga pra alguém que te conheceu antes do seu primeiro portfólio.
Ou escreve. Só pra você. Uma carta respondendo essa pergunta:
"Era isso o que eu sonhei pra mim?"
Mas dessa vez,
sem autoengano
sem ChatGPT
sem Notion
sem Wifi.
Esse email termina aqui.
O resto, é seu.
@paiva // @thejppaiva // paiva.me