e a sua também (talvez?)
Minha mãe veio me visitar aqui em Vancouver.
Dessa vez, fizemos uma viagem de carro até uma cidadezinha nas montanhas, 4h de estrada.
Mata fechada, céu limpo, playlist de domingo. Carro deslizando na paisagem como numa fita VHS antiga.
Mas sempre que eu olhava no retrovisor…
lá estava ela.
Cabeça baixa, olhos colados na tela. Um gesto repetido. Automático. Silencioso.
Ela provavelmente estava organizando as fotos da viagem pra me mostrar depois.
Fofa. Fofa mesmo.
Mas algo ali me deu um nó.
Comecei a reparar em outros momentos:
Ela no sofá, enquanto o noticiário fazia barulho ao fundo.
Ela esperando a mesa do restaurante, scrollando como quem tricota com o polegar.
Ela comigo na sala, de manhã, “apreciando o silêncio” com a tela acesa, um silêncio abafado por notificações.
Não era só sobre distração.
Era sobre ausência disfarçada de presença.
Ela não estava apenas registrando memórias. Ela estava perdendo algumas também.
dramático talvez?
A gente fala muito sobre proteger as crianças das telas. E com razão.
Falamos de limite.
De tempo de tela.
De foco e atenção.
Reclamamos que elas não olham no olho, que vivem no TikTok, que “na nossa época era diferente”.
Mas e os adultos? E os 50+, os nossos pais, tios, sogros e sogras?
quem cuida deles?
Recentemente li um estudo que mostrou que adultos com mais de 50 anos passam, em média, 6 horas por dia no celular.
O número cresceu quase 60% em 3 anos.
E não estamos falando de planilha ou ebook ou email de trabalho.
Estamos falando de WhatsApp infinito.
Estamos falando de vídeos de receita.
Forwards de corrente, e um feed feito pra não ter fim.
A dependência disfarçada de “to me mantendo informada”.
“deixa eu só ver um negócio aqui rapidinho…” …e lá se foi uma hora.
é o vício invisível. mas e ai?
Desde então, comecei a tentar uns pequenos ajustes com a minha mãe.
Nada invasivo.
Só sugestões, com jeitinho de quem cuida:
1. Desativar as notificações.
Ela resistiu. Disse que precisava ver tudo. Mas depois que falei que eu dormia melhor, ela quis tentar também. (aguardamos os próximos capítulos)
2. Comprar um despertador.
Sim, um de verdade. Com ponteiro. Pra que o celular não fosse a última e a primeira coisa do dia.
3. Criar rituais de presença.
Tipo café da manhã sem tela. Caminhada sem fone. Só o corpo, a respiração, e o mundo real do lado de fora da bolha.
Ela já faz muita coisa boa: se exercita, é ativa, curiosa, e gerencia sua empresa.
Mas quando o corpo descansa… a mente ainda quer rolar o feed.
Como se o descanso só fosse possível se houver ruído.
não é sobre ser "exemplar"
Não é sobre ter a resposta certa.
É sobre lembrar que o vício não tem idade.
E que talvez a melhor forma de proteger as crianças seja ensinar os adultos (e a nós mesmos) a redescobrirem o agora.
Com gentileza. Sem culpa. Com presença.
Porque às vezes, o gesto mais radical que podemos oferecer… é olhar nos olhos de quem nem percebeu que também se perdeu.
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O resto, é seu.
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