o preço invisível
Ontem perdi tempo. Não foi nada épico.
Foram só 2 horas que escorreram pelo ralo do Instagram. Mas quem ganha com isso?
Era “só para responder uma mensagem”...
Não foi nada dramático: apenas 2 horas invisíveis, sem marca, mas com eco.
E fiquei pensando se aquilo que perdi não estava, secretamente, sendo compensado em outro lugar.
será que tudo funciona assim?
Ganhar presença custa perder mistério. E ninguém avisa no contrato.
J. Glenn Gray dizia que cada perda é compensada.
Cada ganho é pago.
Ele falava da guerra, mas poderia estar falando do feed do Instagram.
Do jeito como ganhamos velocidade e perdemos presença. Como ganhamos acesso e perdemos mistério.
É curioso.
Nunca houve tanta liberdade para criar, mas nunca fomos tão prisioneiros de telas que pedem, pedem, pedem mais.
toda escolha é uma renúncia
Kathryn Bigelow devolveu 20 milhões de dólares para ter mais controle criativo.
Sempre que dizemos sim, há um não escondido no rodapé.
E talvez seja isso que mais me assusta nos jovens de hoje.
Não a pressa em crescer, mas o quanto já aprenderam a negociar sua atenção como quem troca figurinhas.
Felca chamou de “adultização”, esse apetite precoce por ser grande, resolver, produzir.
O adulto em miniatura com medo de perder o timing do mundo.
Mas… quem disse que dá para ganhar sem pagar?
essa economia invisível...
Dinheiro volta. Atenção não. Então quem lucra com o que você perde?
Tempo, foco, desejo...Essa economia parece ainda mais cara que dinheiro.
Porque enquanto o dinheiro volta, a atenção não.
E é aí que começo a pensar: se toda perda é compensada, quem é que está ganhando com aquilo que a gente perde?
O problema é que a gente não tem décadas de sombra para crescer devagar.
A vida urbana, o algoritmo, o barulho das notificações… tudo nos empurra para crescer rápido demais.
E como Peter Wohlleben mesmo escreveu em seu livro "A Sabedoria Secreta da Natureza":
“Uma árvore que cresce rápido, apodrece rápido.”
Será que estamos ficando frágeis porque crescemos depressa demais?
Às vezes penso que estamos vivendo um descompasso coletivo.
O corpo pedindo sombra, a mente pedindo espetáculo.
E nós aceitamos como se fosse natural trocar profundidade por alcance, silêncio por velocidade, contemplação por likes.
mas nada é de graça
Likes, alcance, relevância.. a fatura chega em silêncio.
Esse ganho que parece tão óbvio, de relevância, de visibilidade, de engajamento, vem com uma fatura escondida.
Mais ansiedade, menos presença.
Mais informação, menos sabedoria.
Mais conexão, menos vínculo.
O vídeo do Felca, “adultização”, me voltou à cabeça justamente por isso.
Porque não estamos apenas acelerando nossa juventude. Estamos terceirizando nossa infância, alugando nossos intervalos, hipotecando nosso tédio.
E o tédio, veja bem, era a matéria-prima da imaginação.
Sem ele, ficamos reféns de narrativas prontas.
não quero soar moralista
Eu mesmo caio nessa armadilha todos os dias.
Troco páginas de um livro pela rolagem infinita, troco conversas longas por mensagens curtas, troco rascunhos por notificações.
Mas a minha opinião é simples, quase banal: a conta nunca fecha.
Cada ganho na economia da atenção é pago com a perda de uma parte de nós.
E o inverso também é verdade.
Cada vez que perco relevância digital, ganho um pouco de chão.
Um pouco de tempo. Um pouco de voz que não vem de fora.
Tudo é meio-metade.
Todo ganho custa.
Toda perda compensa.
Resta a pergunta:
Se a vida já é cheia dessas trocas inevitáveis, por que insistimos em pagar tão caro com o que temos de mais valioso, nossa atenção?
Esse e-mail termina aqui.
O resto, é seu.