hoje eu encontrei um jornal
Não numa banca. Num canto aqui de casa. Embaixo de uma pilha de caixas que não abro há meses.
Papel de verdade. Cheiro de tinta. Manche
Papel de verdade. Com manchete em caixa alta, cheiro de tinta molhada e aquela textura áspera que suja o dedo de preto.
E no meio dele... um pedaço de papel rabiscado à mão. Achei curioso.
Parecia um recibo improvisado. Nome, número, talvez o registro de uma entrega.
Letra tremida. Tinta desbotando nas bordas.
Não sei quem escreveu. Mas alguém escreveu.
E por um instante... isso pesou mais do que o jornal inteiro.
eu tenho procrastinado
Bastante, até.
Daquele tpo que se disfarça de produtividade: lava a louça, responde email, organiza cabos que nem usa mais, enrola um fio que nem sabe de onde veio.
Termina o dia exausto, a mente entorpecida. E o que importa mesmo, intocado.
Nessas horas, eu invento pequenos rituais. Âncoras.
Pego um objeto analógico, físico qualquer (um caderno antigo, um envelope vazio, agora esse jornal) e finjo que é um oráculo.
Talvez eu esteja só tentando lembrar o que é real (ou extendendo a minha procrastinação aguda?).
lembrei que valor tem peso
Ver aquele bilhete manuscrito dentro do jornal me atingiu como uma lembrança corporal.
Lembrei que o valor, antes, tinha tato. Tinha peso.
Hoje tudo virou gesto fantasma.
Pagamos com um tap.
Criamos com um tap.
Desaparecemos com um tap.
A criação se transformou em rolagem. A inspiração virou prompt de ChatGPT. O tempo.... virou vapor.
E a gente? Eu, você, criadores e criativos?
Tentamos construir significado com fita crepe e dois neurônios queimados.
procrastinar é esperar por sentido
Eu tenho medo. Não vou mentir.
Não do trabalho em si, mas do que vem depois dele.
Medo de fazer e falhar.
Medo de fazer e acertas.
Medo de ser invisível.
Medo de ser visto. Às vezes demais.
É, mas não é.
Porque toda vez que você coloca alguma coisa no mundo, você diz pra si mesmo:
"Isso aqui vale alguma coisa"
E quando o mundo responde com silêncio ou com um like sonâmbulo, você começa a se sentir como o bilhete esquecido dentro do jornal.
E é difícil não se sentir como o bilhete esquecido dentro do jornal.
comentaram em um vídeo meu
Outro dia, alguém me mandou uma mensagem no DM do Instagram:
"Cara, seus vídeos me lembram que criar ainda pode ser sobre sentir. Não só sobre criar."
Li com a desconfiança de quem quer acreditar. E reli.
Cinco vezes.
Fiquei pensando:
"Talvez procrastinar seja só o corpo tentando ganhar tempo. Pra digerir. Pra entender. Pra sentir antes de fazer."
Hoje eu encontrei um jornal com um bilhete escrito à mão esquecido dentro.
Não por nostalgia. Mas porque eu precisava lembrar que ainda existe peso no mundo.
Ainda existe toque. Cheiro. Rastro humano.
E às vezes, criar é só isso: guardar uma ideia num papel qualquer, e esperar o momento certo pra abrir de novo.
A manchete dizia: "MERCADO DESACELERA".
Sorri de leve e pensei: tomara que continue assim.
Com carinho,
de alguém que ainda não terminou o projeto, mas tem um bilhete antigo nas mãos e ainda acredita que vale guardar.
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