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por Paiva

Jul 13 • 2 min read

querido GPT: ajuda não é atalho


a máquina pensa rápido. e você?


A primeira coisa que ouvi foi o barulho da bomba.

Depois o cheiro.

Aquela fumaça densa que sai do espresso fresco e parece dizer:

"agora não é hora de pensar em outra coisa"

Mas minha cabeça estava em três lugares ao memso tempo.

Meu corpo na cozinha.
Meu olho na tela.
Minha cabeça...bom, essa você já sabe.

A máquina era a Breville. O grão, recém-moído. A dose, exata. A intenção... nem tanto.

E mesmo assim, a xícara ficou boa. Redonda. Quente. Me olhando como quem diz:

"nem tudo precisa ser perfeito pra ser verdade."

o café saiu certo. eu, nem tanto


Tenho pensado muito nisso: a presença parcial que carregamos nos últimos tempos.

E o quanto até as boas ferramentas (sim, ChatGPT) podem se tornar um tipo novo de distração.

Não por excesso de ruído, como é o caso das redes sociais. Mas por ausência de atrito.

a IA não rouba com barulho


Ela leva com gentileza.

O Andy Anderson escreveu que o preparo do café é, acima de tudo, uma prática de atenção.

Um ritual de presença.
Um gesto de cuidado invisível
que ninguém vê, mas você sente.

E eu concordo.

Mas também acredito numa outra coisa: às vezes, o mundo muda. E com ele, mudam nossos rituais.

não é o fim do ritual


É o começo de outro.

Antes, escrever era sentar com um caderno e caneta na mão.

Agora, muitas vezes, é digitar com o GPT piscando ao lado, esperando o próximo comando. Mas veja, isso não é uma tragédia.

Pode ser só uma outra forma de começar. Uma espécie de co-autoria silenciosa, onde você ainda pode (e deve) escolher as palavras finais.

É como uma dança: você pode deixar a IA sugerir os primeiros passos. Mas precisa ser você a escolher o ritmo.

A cadência e o fim da música.

Porque atenção, no fundo, não é o oposto da tecnologia. É o oposto da pressa.

E o que nos falta não é foco, é relação.

Com o tempo. Com o gesto. Com o processo criativo que, mesmo assistido, ainda precisa do nosso toque manual.

ainda dá pra escrever com alma


Mesmo com ajuda.

Esses dias escrevi um texto inteiro sem abrir o ChatGPT. Foi mais lento. Mais falho.

Ma(i)s bonito.

Lembrei de como era rasurar um parágrafo.

Fala sério: quando foi a vez mais recente que você ouviu essa palavra: rasurar?

Mas olha que delícia.

Voltar numa frase. Escolher um adjetivo não porque ele é certo, mas porque ele soa certo. Ele encaixa melhor.

Foi como ouvir de novo o barulho da bomba da Breville. Sentir o calor da xícara. Lembrar que a criação é, antes de tudo, um corpo no tempo presente.

E quando você toma uma decisão, mesmo que seja a troca de um adjetivo por outro, sem o medo do julgamento, sem a pressão por agradar, sem titubear...

você se sente presente.

clareza sem pressa


Não quero romantizar o passado. Nem demonizar o presente.

Só quero lembrar.

A mim, a você, que ainda dá pra fazer café com atenção. E ainda dá pra escrever com alma, mesmo que com ajuda.

Porque a atenção não é exclusividade dos analógicos. Ela é escolha.

Uma decisão silenciosa, quase ritualística, de estar inteiro em algo pequeno.

E que boa notícia é essa: ainda temos escolha. Ainda sabemos voltar.

Às vezes por um café queimado,
às vezes por uma frase que não se encaixa,
às vezes por saudade de pensar com mais corpo e menos máquina.

Hoje o espresso saiu melhor. Não porque a dose mudou,

mas porque eu mudei de lugar dentro da manhã.

Fechei o celular, olhei o vapor e escrevi um parágrafo que era só meu.

Ali, senti algo que há tempos eu não sentia: clareza sem pressa.

Esse e-mail termina aqui.

O resto, é seu. Vai um café?

Vancouver, BC - Canadá
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por Paiva


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